Até praticamente ser banido em todo o mundo, o sucesso do amianto deveu-se às características das suas fibras, que apresentam uma elevada resistência ao stresse mecânico, às elevadas temperaturas e às agressões ácidas, alcalinas e bacterianas. São incombustíveis, duráveis, flexíveis com uma excelente qualidade isolante.
Com estas características era inevitável que este mineral fosse apetecível para um variadíssimo leque de indústrias, e assim passamos a ter o amianto utilizado em indústrias tão variadas como a da construção civil, automóvel, têxtil, militar, aeroespacial, naval, petrolífera, química, papel e fundições. Consequentemente, equipamentos contendo amianto passaram a integrar o nosso quotidiano, desde pisos vinílicos, coberturas, telhas, tetos e paredes falsas, vasos de decoração, até isolamentos térmicos e acústicos, tecidos antifogo e anticalor, travões e embraiagens de viaturas, tintas e tantos outros.
O problema é que o desgaste destes equipamentos passou a colocar fibras de amianto no meio ambiente, um pouco por toda a parte, e, assim, a inalação destas fibras deixou de ser apanágio daqueles que com elas lidavam profissionalmente e passou a afetar toda a gente. Ou seja, deixou de ser um problema exclusivamente profissional e passou a ser um problema ambiental, um problema que pode afetar qualquer pessoa.
De facto, desde 1960 que a relação entre o amianto e doença respiratória foi reconhecida, inicialmente naqueles que trabalhavam na indústria extrativa, posteriormente nos trabalhadores das diversas indústrias transformadoras utilizadoras deste mineral e, posteriormente, na população em geral.
As doenças respiratórias provocadas pelo amianto têm duas características muito próprias: um período de latência muito longo, de muitos anos, e o facto do risco de doença persistir para toda a vida. Tal resulta de algumas características biológicas das fibras, que uma vez inaladas vão persistir para sempre no aparelho respiratório – biopersistência. Outra característica – translocação – faz com que as fibras, após a inalação, possam ser transportada para outros locais do aparelho respiratório, tais como os gânglios e a pleura.
Consideramos como doenças respiratórias provocadas pela inalação de fibras de amianto, as seguintes: asbestose, patologia pleural benigna, o cancro do pulmão e um cancro particular da pleura, o mesotelioma.
A asbestose é o paradigma da doença profissional dos trabalhadores das minas ou das indústrias utilizadoras de amianto. É uma fibrose pulmonar induzida pelas fibras deste mineral inaladas, que transformam o tecido pulmonar em tecido fibroso não funcionante. Em virtude da perda de tecido pulmonar há perda progressiva da principal função do pulmão, a função da hematose, pela qual este órgão oxigena o sangue e retira dele o excesso de anidrido carbónico resultante do metabolismo das células de todo o organismo. Assim o pulmão torna-se incapaz de manter níveis adequados de oxigénio no sangue. A consequência clínica é o aparecimento de um quadro de dificuldade respiratória progressiva, primeiro para esforços intensos, posteriormente para esforços mínimos. A tosse seca que geralmente acompanha este quadro aponta-nos para a afetação do interstício do pulmão. Nas fases finais, para sobreviver, o doente fica dependente da administração de oxigénio.
A patologia pleural benigna corresponde a uma série de alterações pleurais, sem caracter de gravidade, e muito características. Incluem placas pleurais – espessamentos localizados – muitas vezes calcificadas, quase sempre das pleuras parietais; espessamentos pleurais difusos (na maior parte das vezes das pleuras viscerais); derrames pleurais, com características inflamatórias, benignas, reversíveis, mas recidivantes.
As placas pleurais costumam ser assintomáticas e são habitualmente descobertas no decurso de exame radiológico do tórax. Pelo contrário, os espessamentos pleurais difusos e o derrame pleural são habitualmente sintomáticos, com a dor torácica a ser o sintoma mais relevante e a dificuldade respiratória a depender da dimensão do processo.
Estas alterações pleurais resultam da ação direta das fibras de asbestos inaladas, que migram até às pleuras e originam uma inflamação persistente, que está na base das alterações descritas.
Outra expressão clínica associada à inalação de fibras de amianto é o cancro do pulmão. Estima-se que cerca de metade de casos de asbestose evoluam com este tipo de cancro.
Apesar de nem todos os mecanismos estarem compreendidos, sabe-se que existe uma relação entre a severidade da asbestose e a incidência desta neoplasia: quanto maior for a concentração de fibras de asbesto nos alvéolos maior é a probabilidade deste cancro.
Esta relação é fortemente potenciado pelo hábito de fumar. O risco de um doente fumador com asbestose sofrer de cancro do pulmão chega a ser 90 vezes superior ao dos doentes não fumadores. Tal como noutros contextos o tipo de cancro mais frequente encontrado é o adenocarcinoma.
Porém, a relação entre amianto e cancro não se esgota no cancro do pulmão. Devido ao caráter carcinogénico das fibras de amianto regista-se um acréscimo de neoplasias noutros órgãos, como a laringe, tubo digestivo e ovário.
Contudo o cancro paradigmático da exposição ao amianto é o mesotelioma, um cancro particular da pleura.
O mesotelioma da pleura é um tumor maligno em que, entre 70 a 80% dos casos se consegue estabelecer uma relação com a exposição ao amianto. O risco de doença aumenta em função da dose acumulada de exposição e o período de latência é, em média, de 35 anos. Devido a este longo tempo de latência e à restrição da utilização do amianto nos países industrializados a partir da década de 70 do século passado, prevê-se que a incidência de mesotelioma atinga o máximo na presente década. É um tumor que não tem relação com o tabagismo.
Apesar de se ter estabelecido outras relações causais (radiações ionizantes, determinados vírus, como o SV 40, fibras cerâmicas refratárias e a eronite, uma outra fibra natural) a relação deste tumor com a inalação de fibras de amianto é de tal forma avassaladora que esta associação é considerada das mais fortes relativamente a todas as patologias.
Sob o ponto de vista clínico, sintomas como a dor, a dificuldade respiratória e a queda progressiva do estado geral predominam. O primeiro resulta do seu carácter invasivo. Este tumor cresce invadindo as estruturas vizinhas, como o pulmão, diafragma, pericárdio, coração, mediastino e parede torácica; ao serem atingidas as estruturas nervosas destes diversos órgãos, aparece a dor, que pode ser excruciante. O tratamento da dor é, por vezes, a principal atitude terapêutica destes tumores. A dificuldade respiratória relaciona-se com a com a invasão do pulmão ou com o derrame pleural, que está presente em mais de 90% dos casos, que pode ser volumoso e costuma ser recidivante.
O diagnóstico faz-se habitualmente recorrendo à toracoscopia, exame que permite explorar visualmente a cavidade pleural, observar o tumor e recolher fragmentos biópticos que permitem o diagnóstico definitivo. O diagnóstico a partir da identificação de células malignas no líquido pleural ou a partir de uma biopsia pleural por agulha só tem sucesso numa percentagem pequena de casos.
O tratamento de eleição é a cirurgia, sobretudo nos estádios iniciais, sendo feita, habitualmente, a exérese do pulmão e da pleura – pleuropneumectomia – às vezes associada a receções do diafragma e do pericárdio. A complementação com quimioterapia e radioterapia é recomendada mas os seus resultados não são os melhores. Nos casos avançados os cuidados paliativos são os indicados.
Quanto ao prognóstico, ele depende da precocidade do diagnóstico e da possibilidade de uma intervenção cirúrgica eficaz, mas na generalidade dos casos é mau, sendo poucos os doentes que sobrevivem mais de cinco anos.
Jaime Pina